No mundo cada vez mais automatizado da Inteligência Artificial, é necessário entender que posição o ser humano ocupará no futuro.
Em outras palavras: afinal, o que nos diferencia dos robôs?
“As experiências humanas podem ser de diferentes magnitudes. Englobam tudo que precisamos investir para viver experiências únicas, enfrentar cada situação e o que aquilo pode trazer em termos de aprendizado, desenvolvimento e capacidade de percepção”, diz Carla Tieppo.
Segundo a neurocientista, é exatamente isso, a diferença entre o valor e o preço das experiências pessoais – o que nos diferencia dos robôs.
“As experiências humanas têm outro nível de complexidade e muitas delas não poderão ser substituídas em profundidade por nenhuma máquina”, acrescenta.
Para exemplificar, Carla Tieppo usa a metáfora do “voo de wingsuit” (traje planador usado por paraquedistas em voos de alta performance). Ela explica que essa experiência tem um preço alto a ser pago, como o esforço de chegar ao topo de uma montanha para realizar o salto.
Ao mesmo tempo, o valor percebido pelo paraquedista é proporcionalmente satisfatório.
“Quando eu salto de wingsuit, além do que eu vivo durante o voo, existe um processo de chegar até lá, o desafio de transpor o medo e todos os sentimentos que são próprios ao ser humano e que nunca uma máquina será capaz de viver.
No final das contas, a experiência de viver é a de superação do ser humano nessa natureza que sempre foi hostil”, explica a pesquisadora.
“Quantas vezes precisamos superar a nós mesmos para ter uma investida de uma experiência de alto valor com um preço dramático. Então, toda vez que precisamos pagar preço significa um grande sacrifício”, completa.
O exemplo usado por Carla Tieppo pode ser aplicado à vida pessoal e profissional. São as experiências pelas quais pagamos preço alto (abrir mão de um melhor salário, da vida em família, de um fim de semana de diversão, para ler, estudar e fazer um curso) que nos tornam diferenciados de pessoas que não tiveram as mesmas vivências.
“No final das contas, as conexões cerebrais, as redes neuronais, tudo o que temos disponível para viver e construir uma vida significativa vem dessas experiências. Fazendo mais do que nos é pedido, conseguimos nos diferenciar efetivamente, através de uma experiência que podemos considerar única”, afirma Carla Tieppo.
O esforço de fazer algo que aparentemente estaria além do alcance já está, para o cérebro, diretamente associado à motivação e à quantidade de energia que aplicamos a cada atividade. A recompensa nem sempre é a mais importante, no final do processo.
O fato de anteciparmos a recompensa já nos faz ter um alto engajamento e satisfação. O conhecimento em si já é uma recompensa e, perceber isso, é importante.
“A Inteligência Artificial já percebeu isso, pois quando ela dá conta de um processo, ela avança em um grau de complexidade no seu desenvolvimento. A gente tem esse sistema dentro da gente, veio de fábrica, mas só precisamos saber usar”, explica Carla Tieppo.
A neurocientista lembra que, por mais eficiente que a Inteligência Artificial seja, para processar dados e fazer conexões que os humanos nunca fariam, ela nunca poderá reproduzir o valor da experiência.
Então, como o ser humano pode usar sua experiência pessoal em um mundo que é cada vez mais assombrado pelo “monstro” da Inteligência Artificial?
Carla Tieppo acredita que ainda não aproveitamos o suficiente os recursos tecnológicos que temos para ampliar o valor das nossas experiências pagando cada vez preços maiores, arriscando preços maiores para que o valor das experiências adquiridas seja insuperável.
“O que tem acontecido hoje é o contrário: pensamos que vamos usufruir da tecnologia, nos encostar nos processos tecnológicos, e cada vez ter que trabalhar menos e de forma mais fácil. Nós teremos condição de viver melhor com a tecnologia, se soubermos usá-la de forma correta”, analisa.
“Quando temos uma facilidade na vida, menos força colocamos nas coisas. Quanto mais recurso, menos energia dispendemos. Então acredito que possamos mudar este cenário, a partir da ideia de que podemos usar a tecnologia para ampliar nossos recursos e ter ainda mais capacidade de enfrentar desafios e resolver os grandes problemas da humanidade, como fome, guerra e a morte.”
Conteúdo produzido por BRZ Content, com base na Love Life Neuroscience do dia 30 de janeiro.