O novo rótulo para quem demonstra abertamente seus interesses em uma relação. Em tempos de individualidade, quem expressa sentimentos é visto como exagerado
São Paulo, abril de 2024 – Em geral, o começo de toda relação passa pela fase do: “Será que falo o que estou sentindo ou não manifesto interesse?”. Para algumas pessoas, declarar-se logo de início é mergulhar de cabeça e até mesmo sinônimo de coragem. Mas estas pessoas vêm sendo, hoje, rotuladas de “emocionadas”, por demonstrarem demais seus sentimentos em um curto espaço de tempo. Então, fica a dúvida: é melhor fingir desinteresse? Para os “emocionados”, esta não é uma opção.
Se pararmos para pensar na origem da palavra “emoção”, que do latim – ex movere – significa “mover para fora”, podemos dizer que, em termos de relacionamento, isso acontece quando a pessoa revela à outra aquilo que está sentindo ou pensando. Para a psicóloga e escritora, especialista em relacionamentos, Tatiane de Sá Manduca, é justamente o diálogo que pode abrir portas para uma relação.
“Relacionar-se pressupõe uma presença mútua, onde ambos são presentificados, demonstrando abertura, interesse e disposição para se envolverem um com o outro. Em tempos de liquidez, a sinceridade consigo mesmo e com o outro abre espaço para alteridade, e este é um elemento chave para quem deseja e valoriza construir uma relação”, afirma a psicóloga.
O jogo do desinteresse
Na obra “Será que é amor?”, segundo livro de Tatiane de Sá Manduca, a autora traça um paralelo com os famosos “joguinhos” que muita gente costuma fazer antes de se envolver de fato com alguém.
“Algumas pessoas acreditam que a indiferença é uma forma de capturar a atenção do outro, na tentativa de colecionar desejos e preservar o narcisismo; e o imperativo é não se frustrar diante da decepção de não ser quisto pelo outro”.
Ela menciona diversas letras de músicas do repertório nacional para ilustrar a maneira como nós, muitas vezes, lidamos e encaramos o amor. Em uma destas citações, ela relembra da famosa letra de Evidências, da dupla Chitãozinho & Xororó… “Eu me afasto e me defendo de você, mas depois me entrego”.
A importância de se validar
Com o tempo, o termo “emocionado” ganhou um sentido pejorativo, em uma sociedade que prioriza cada vez mais a individualidade e não valida os próprios sentimentos. “Será que estamos construindo uma sociedade cada vez mais distante do laço afetivo e de experiências de ligação?”, questiona Tatiane de Sá Manduca.
A resposta é: depende. Depende dos objetivos e do que se busca no outro. Não se pode esquecer também das pessoas que exigem ser correspondidas na sua totalidade, em todas as suas necessidades ou “neuroses” pelo outro. Por isso, Tatiane reitera sobre a importância do diálogo. “O desencontro entre as palavras e a escuta fecha as portas para o diálogo, para a possibilidade de escutar na tentativa de uma possível aproximação do mundo alheio a nós”, observa Tatiane.
Tempo e construção
A geração dos “emocionados” é apontada como aquela que demonstra seus anseios e vontades num curto intervalo de tempo. Isso acontece porque criou-se a ideia de que, para começar um namoro, é preciso levar um determinado tempo (sejam dias, meses ou anos), e não necessariamente precisa ser assim.
No entanto, para a psicóloga, as relações estão baseadas muito mais em experiências, do que no tempo em si. “O amor é também uma oportunidade de a gente se ver pelos olhos do outro, de poder ser como a gente é. O amor tem a ver com a intimidade, com uma construção que acontece no tempo, tempo este da experiência e de reconhecer o outro, não como uma extensão de nossas fantasias”, finaliza.
Sobre Tatiane de Sá Manduca
Tatiane de Sá Manduca é psicóloga e escritora, especialista em Psicoterapia, pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. Em 2020 lançou seu primeiro livro, “Valida-te”, uma obra para quem busca aceitação e autenticidade e, três anos depois, foi a vez de “Será que é amor?”, em parceria com Saulo Durso Ferreira, trazendo uma série de casos clínicos de sofrimento por amor, analisados sob a ótica de filósofos e psicanalistas.
A especialista fala sobre assuntos ligados ao amor, relacionamento, comportamento, autoconhecimento, ansiedade e depressão e o grande mal-estar social que invade os consultórios, no qual relata neste último livro, o sofrimento por amor, frustrações e decepções, na maneira de se relacionar.